Quem é vivo sempre aparece, dizem...
Nem sempre!
Meu último namorado era vivo e me deixou na festa de noivado a ver bolinhos!
Devidamente recuperada do trauma, sempre me assusto quando escuto esta frase: quem é vivo sempre aparece! Chega a espantar as bolinhas do meu vestido!
O fato é que tenho escutado esta frase nos corredores do querido Martagão Gesteira... Voltei sim ao IPPMG: por pura saudade, por vontade de rever os amigos, para entrar pela primeira vez no CTI, para poder estar na inauguração da Emergência, para visitar a Carlinha, para bater papo com a Dra. Simone no almoço, para supervisionar o Adamastor e a Azeitona, por desejo de repensar esta função de atuar como palhaça em hospitais!
Me lembro que quando começamos a atuar no IPPMG - nós, os DOUTORES PALHAÇOS - contávamos com poucas iniciativas no âmbito da humanização hospitalar. Tínhamos poucos parceiros! Este conceito, que virou agora programa do SUS, cresceu bastante, junto com outras práticas que certamente têm transformado as relações dentro de muitos hospitais brasileiros.
Mas em 1995, éramos somente eu (Dra Nena que vos escreve), Dra. Leonoura, Dr. Socó e Dr. Quequéu! Este último foi para a Alemanha e deu espaço para que o Dr. Escrich entrasse na equipe. Atuamos 3 anos como DOUTORES PALHAÇOS, da Theodora Fundation, depois durante 10 anos como Doutores da Alegria e em novembro de 2008 voltamos ao nome original – DOUTORES PALHAÇOS.
Ou seja, são 14 anos de pura palhaçada no IPPMG!! Estamos quase debutando!!!!!!
A equipe dos DOUTORES PALHAÇOS também cresceu e conta agora com 10 artistas em 5 hospitais da cidade!
E esta proximidade dos 15 anos de idade me fez voltar ao Instituto e refletir, refletir, refletir, refletir... Agora leio filósofos, discuto com profissionais de saúde, com professores de profissionais de saúde e com grandes palhaços, é claro! Ontem saiu uma fumacinha da minha cabeça e pra eu não pegar fogo sozinha, coloquei logo um pedaço do que pensava aqui neste relatório... Olha onde meu nariz vermelho abusado tem me levado:
“... por um lado a vida ativando o pensamento, por outro o pensamento afirmando a vida. Ora o passo de uma, ora o passo do outro. Jogo lúdico do tempo brincando com seus elementos, como uma criança que move as peças de seu jogo. Ora um lance da vida, ora um lance do pensamento. Ora a vida ultrapassando os limites do pensamento, ora o pensamento ultrapassando os limites da vida. Ora os encontros ou misturas de corpos desterritorializando as maneiras de pensar, ora os modos afirmativos de pensamento desterritorializando os modos de agir. Jogo alegre, ativo e afirmativo do tempo, que acontece no seio da diferença dos corpos (...) Jogo leve a alegre da dança dos fluxos nômades que acontece no campo do Acaso, longe, à boa distância da segurança das fixações sedentárias da razão negativa e das vidas reativas.” – Saúde, desejo e pensamento – Políticas do desejo – Ed. HUCITEC.
Se você não entendeu patavinas do que está escrito acima, pergunte à Dra. Azeitona que ela explica com mímica, desenho e musiquinha! Vale à pena!!!
No mais, sigo me divertindo com as crianças do Instituto que sempre inventam invencionices inimagináveis com os palhaços...
Outro dia um menino olhou para Dra. Nena e gritou: - eu peeeeeeiiiido! O que dizer desta cena no meio do corredor do hospital? Ele tinha algo preso e precisava colocar para fora, é claro! Pareceu mais aliviado depois...
Teve um dia que atendíamos um menino com ‘cruzite de pernas’. Aí ele nos ajudava a entender o problema junto com a mãe. O problema se agravava a cada tentativa de correção dos Doutores Palhaços – a ‘cruzite de pernas’ transformava-se em ‘riso frouxo’. Quando seguíamos com a consulta, um colega de trabalho, médico, entrou na minha frente e começou a falar com a mãe e com o paciente. Por um instante achei que ele entendesse muito de ‘cruzite de pernas‘ ou ‘riso frouxo’ e iria nos ajudar. Mas ele falava de um outro assunto, ou seja, o caso ficava mais grave: além das duas já citadas patologias instantâneas da criança, os palhaços haviam se tornado invisíveis! Coloquei meu super bigode de pessoa séria e inteligente, a criança continuava a me olhar, o médico ainda não conseguia me ver. Insisti. Atrás do médico eu falava tão sério quanto ele a ponto de conseguir absorver um pouco da sua aura. A essa altura, a mãe também já me via. Quando o médico – colega - viu que a mãe e a criança me olhavam por trás de seus ombros, virou-se para mim! Que alegria que senti naquele momento! Como descrever? Ele me cumprimentou, sem mesmo me olhar, mas mesmo assim, num passe de mágica, eu voltei a existir! Que alívio - esta patologia às vezes dura para sempre, mas quase sempre é reversível.
Teve também um médico – colega – que me chamou no leito de uma paciente que estava atendendo, e juntos tentávamos explicar a ela porque ela não teria alta. Mas isso já é caso para outro relatório...
(No mês que vem dou espaço para Azeitona e Adasmator escreverem mais um pouquinho!)
Um forte abraço, caro leitor (a),
Dra. Nena (Flávia Reis)
Nenhum comentário:
Postar um comentário