E o Palhaço, O Que É?

Depois desses primeiros meses realizando intervenção de palhaço em hospital público uma série de imagens e sensações me invadem, invariavelmente, acompanhada de uma leve frustração.
Nessa primeira leitura tenho a impressão que o hospital onde atuo é um enorme Fast Food e reforça o que temos de pior: Indiferença! Tudo é rápido, superficial e distante, e para um palhaço entrar num ambiente assim deveria ser provocador e potente, porém... Antes de tudo tem sido extremamente difícil, raramente rola um bom dia de trabalho, até hoje me lembro de dois bons dias, e só! Sou um bom palhaço carioca, com o coração batendo na sola do pé, corpo fechado, como qualquer caboclo, e sempre caminhando na picadilha, o que há então? A reflexão, e observação me trouxeram uma teoria: as crianças percebem como são tratadas, e mais que isso, se adaptam. Sim, elas entendem que são mais uma, não mais uma criança, mais uma enfermidade diante de tantas outras, uma veia para acesso, uma boca para pílula, um estomago para dieta e um nome para a ficha. No hospital onde atuo acontece uma grande rotatividade de pacientes, e isso só colabora para a frieza e mecanização nas relações, tudo vira uma funcionalidade, assim as pessoas perdem identidade e se tornam utensílios vivos, andam, falam, parecem estar vivas, porém há uma diferença entre viver e existir, e ali elas optaram por existir apenas, uma pena! O Palhaço nisso? Encontrar crianças com essa perspectiva de olhar, que param e, ao me verem se perguntam: Qual sua função? Como você funciona? Com que parte ou setor do meu corpo se relacionará? - Ah! O bom humor, então vou rir. Lá se foi a chance de se relacionar de verdade. Poderia me contentar com o riso, mas não é esse nosso papel por lá, como a natureza do nosso oficio está ligada ao improviso que nasce do encontro, da construção a partir da relação palhaço X criança, como criar junto com quem por hábito, moldado pelo vicio da relação funcional, optou em ser passivo? Se bobearmos estou apresentando cenas prontas e fugindo do que acredito. No que acredito? Que saúde está ligada ao indivíduo ser protagonista de sua vida, ser ativo, ter voz e identidade, assim, pode até ter a opção de não se relacionar com o outro, mas isso parte de uma escolha sua e não de uma imposição de comportamento, um molde que ele entende que é assim, sem espaço para sutilezas, sentimentalidades, afeto e um brilho ou individualidade qualquer. Tenho me perguntado o que poderia ser subversivo neste local. Ainda não sei, coisas que parecem velhinhos com máscara em macas no corredor, briga de funcionários, um prédio de gente se defendendo para não ver que tem muita coisa errada e que todos fazem parte disso não é fácil.
Talvez eu compre uma rabeca!

Marcos Camelo / Totó Maravilha!

Um comentário:

  1. Caro Totó
    emocionante seu depoimento. Carregado de sentido para os olhos de quem vê, escuta, sente...
    Também, como você, tenho me perguntado o que poderia ser subversivo neste(s) local(is)??? Saber, de fato, não sei mas optei pela emoção. Tudo que traga de volta o pulo do coração, o frio do estômago, a geladeira das mãos, a coceira do pé.
    E nessa aposta montamos o curso de formação de preceptores. É nas mãos deles que está o futuro do cuidado. Sem a emoção deles, nosso tempo será de vazio.
    Bjs emocionados.
    Denise Herdy

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